Primórdios do Espiritismo em Santa Catarina e no Brasil
Estamos no ano de 1840, na França, 17 anos antes de Allan Kardec lançar ao mundo a 1ª edição de O Livro dos Espíritos e 8 anos antes dos fenômenos acontecidos em Hydesville, nos Estados Unidos da América, com a participação da família Fox.
Um filósofo francês, de nome François Marie Charles Fourier, (1772-1837) apontou que as relações econômicas deveriam se organizar em instituições fundadas por princípios de associação e cooperativismo. Dessa forma, idealizou a concepção de comunidades produtivas, compostas por aproximadamente 1800 trabalhadores, chamadas de falanstérios. Um médico homeopata igualmente francês que se chamava Benoît Jules Mure, nascido em Lyon em 15/05/1809, acreditou neste ideal. Assim, o Dr. Mure, em companhia de vários associados, arquitetou a criação de uma Companhia que visava estabelecer uma comunidade experimental fourierista, para testar esta ideia. Para tanto, após propagarem seu ideal, passaram a receber a inscrição de centenas de pessoas que procuravam uma vida melhor da que tinham na França do século XIX, com as condições econômicas e o capitalismo se desenvolvendo desde a revolução industrial, com as cidades inchando de operários com baixos salários. Assim foram selecionadas dezenas de famílias, de acordo com as aptidões profissionais desejadas, a fim de se estabelecerem em um local onde tudo seria produzido e comercializado por todos, com os proventos sendo divididos igualitariamente entre os participantes. O Dr. Bento Mure, como ficou conhecido, chegou ao Rio de Janeiro em 21/11/1840.
Após várias tratativas com o governo de Sua Majestade o Imperador do Brasil, o jovem D. Pedro II, o Dr. Müre é recebido em audiência no Rio de Janeiro e, após consultado o Conselho da Corte, lhe foi destinada uma gleba de terras na distante Província de Santa Catarina para o empreendimento denominado Falanstério do Sahy, situado na península do Sahy, às margens da Baía de Babitonga, próxima da atual Vila da Glória, em São Francisco do Sul, no encontro dos rios Saí e São Francisco.
Mais de 200 pessoas, recrutadas na França, entre homens, mulheres e crianças, vieram para o Brasil capitaneadas pelo Dr. Mure para se instalarem em terras catarinenses e formarem uma colônia comunitária. Quase todos eram técnicos e profissionais que trabalhavam com as primeiras máquinas, o que agradou muito ao Império, que muito queria trazer mão de obra europeia para iniciar a industrialização do Brasil. Em 22 de dezembro de 1841, a bordo do navio Caroline, 100 famílias francesas partem do Rio de Janeiro para iniciarem a colonização da península do Sahy. Em 1842 o Dr. Mure criou a Escola Suplementar de Medicina e o Instituto Homeopático do Sahy. Mas, devido a alterações societárias havidas na França, à revelia do Dr. Mure, com uma nova filosofia e, aliado às muitas dificuldades naturais encontradas pelos primeiros colonizadores, como falta de moradias, hospitais, doenças endêmicas, falta de estradas para escoamento da produção etc., o empreendimento fracassou.
Muitos imigraram novamente, desta vez para a Argentina, Uruguai e de volta à França. Um número muito pequeno de franceses se estabeleceu na região. Após o fracasso do empreendimento, o Dr. Benoît Mure viaja para o Rio de Janeiro e se estabelece, entre 1843 e 1848 como médico homeopata na Corte. Seu lema era “Deus, Cristo e Caridade”, o mesmo adotado pela FEB, muitos anos depois, com o firme apoio do Dr. Bezerra de Menezes ao tornar a FEB a Casa de Ismael, o Espírito Guardião do Brasil: Deus, Cristo e Caridade. Coincidência?
Vejam, meus amigos, como a espiritualidade superior estabeleceu planos para que um punhado de franceses, mesmo antes do surgimento da Doutrina Espírita, migrasse para o nosso país, inspirado por ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, esposando muitos ideais posteriormente contidos na revelação Espírita. Apesar do insucesso do empreendimento, aquela alma que intentou implantar uma colônia socialista em nosso país aqui se estabeleceu por muitos anos, formando, na Corte, vários médicos homeopatas, após fundar em 1844 a Escola Homeopática do Rio de Janeiro, sendo o seu presidente até 1848 colaborando, e muito, para a disseminação desta especialidade da medicina em nosso país. Criou mais 26 pontos ambulatoriais no Rio de Janeiro para tratar dos pobres e dos escravos, sendo perseguido pela Academia Imperial de Medicina, que o acusava de charlatanismo, pois era homeopata. Alguma semelhança com o que aconteceu na sede da FEB em relação aos médiuns curadores?
Precisamos ainda destacar a presença de muitos cidadãos franceses vivendo, à época, na Corte, em razão da importância que D. Pedro II dava à arte, cultura, ciência e industrialização do Império brasileiro. Na época, a França representava a máxima expressão cultural do globo, e o francês era o idioma dominante, havendo livrarias, editoras, jornais e revistas pertencentes a franceses, que aqui se estabeleceram incentivados pelo nosso Imperador, que procurava livrar a nação de seu atraso cultural.
Funda-se no Rio de Janeiro, em 23 de março de 1876, a Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade.
Quatro décadas após, em 1890, mais precisamente no dia 15 de maio, um catarinense nascido em Desterro, em 29/07/1852, Polydoro Olavo de São Thiago, o qual fora à Corte para estudar e frequentar a Escola de Engenharia, formando-se engenheiro civil, angustiado e muito apiedado com a situação que presenciava diariamente, de abandono e miséria de milhares de ex-escravos nas ruas do Rio de Janeiro, resolve, com o apoio de vários confrades fundar, na Capital da República, o serviço de Auxílio aos Necessitados, mais tarde abraçado firmemente pelo Dr. Bezerra de Menezes, ocasião em que grande quantidade de médicos homeopatas passou a dedicar-se de corpo e alma no atendimento e socorro aos mais necessitados.
Aqui percebemos que as palavras do Mestre quanto ao transplante da árvore do Evangelho para as nossas terras, conforme localizamos na obra Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, não aconteceu açodadamente e sim após várias ações planejadas cuidadosamente pela espiritualidade superior e, para nossa satisfação, com a participação do território catarinense e de alguns filhos desta terra.
Encerrando este artigo, mas não o tema, gostaríamos de revelar que o engenheiro Polydoro viajou para São Francisco do Sul, onde residia seu irmão mais novo, já casado, que se chamava Joaquim Antônio de S. Thiago, católico. Polydoro emprestou-lhe um exemplar de O Livro dos Espíritos e pediu-lhe que o lesse. Após passar a noite inteira acordado, lendo-o, Joaquim amanheceu o dia dizendo: Não sou mais um Católico. Agora eu sou Espírita! E em 21 de julho de 1895, na companhia de vários amigos e familiares, funda o 1º Centro Espírita do Estado de Santa Catarina, o Centro Espírita Caridade de Jesus, onde alguns descendentes dos primeiros colonos franceses exerceram atividades como trabalhadores da Casa, assim como posteriormente na diretoria da Federação Espírita Catarinense, a partir da sua refundação por Osvaldo Melo, em 1945. Mas isto fica para um próximo artigo.
Comissão de Resgate Histórico. Em 14 de março de 2023.